Estranho Sem Nome

Às vezes eu me lembro dele. Eu não sei o seu nome. Na verdade não sei quase nada sobre ele. Sei que ele decidiu sair de casa para uma caminhada. Bom, eu não sei disso com certeza, mas é provável. Talvez ele tenha decidido no dia anterior que faria uma dieta e exercícios físicos regularmente. Talvez fosse seu primeiro dia de caminhada. Ou talvez não. Talvez ele já estivesse fazendo isso há algum tempo, e sua forma obesa fosse na verdade muito maior no passado. Eu não sei. E tudo indica que nunca vou saber.

Eu me lembro das suas canelas roliças, seus tênis inapropriados para corrida, sua barriga grande... mas não me lembro do seu rosto. Acho que eu nem vi o seu rosto. Eu me lembro de um grupo de pessoas em volta dele. Pessoas que, ao que tudo indica, também tomaram a decisão de saírem de suas casas no incio da noite para uma corrida ou caminhada. Eu me lembro daquele homem. Deitado no chão. Seus braços e pernas estendidos. Ninguém sabia seu nome. Ninguém ouviu sua voz. Eles tentavam em vão fazer com que seu coração voltasse a pulsar.

O coração dele parou. Simplesmente parou. Eu não sou nenhum médico, mas não é sempre assim? Não sei a causa. Simplesmente parou. Eu fico imaginando se alguém estava esperando por ele em casa, quais foram suas últimas palavras, qual a reação de quem o conhecia ao saber da noticia. Deitado lá no chão frio. Sem vida. A ambulância demorou a chegar. Eu continuei a corrida e quando passei por ele de novo, estava debaixo de um cobertor térmico. Isso foi tudo que o resgate conseguiu fazer por ele. Foi sua última corrida.

Às vezes eu me sinto como aquele homem. Deitado no chão frio sozinho sem ninguém que possa me ajudar, sem esperança. Morto. Muitas vezes parece que meu destino é o mesmo dele. Parece que a vida não tem nada mais a oferecer. Qual é a diferença entre os que correm na calçada, cheios de vida, e os que já não correm mais? Alguma coisa realmente importa?

Só sei que enquanto houver folego existe a esperança de fazer algo mais. Alguma coisa que faça a vida ser melhor, mesmo que por um momento. Porque no final das contas só é preciso um momento.